As academias de arte nasceram no final do
Renascimento. Antes a produção artística ocorria através de corporações de artesãos e de ateliês coletivos, as
guildas, e o aprendizado nessas associações, que muitas vezes tinham um caráter de entidade de classe, acontecia de modo essencialmente informal. Não havia aulas regulares, nem uma metodologia sistematizada. Procurando organizar esse sistema e elevar o
status da arte de uma função artesanal qualificada para um ofício liberal, fundou-se em
Florença em 1563, sob o incentivo de
Vasari e a proteção de
Cosimo de' Medici, a
Accademia del Disegno.
7Inicialmente oferecendo apenas palestras teóricas e aulas de
anatomia, e na prática não diferindo muito de uma guilda como as outras, logo a Accademia del Disegno tornou-se uma instituição educativa respeitada, responsabilizando-se pelo treinamento de pintores, escultores e arquitetos, e se transformou na instância de assessoria governamental para todos os assuntos de obras públicas da cidade.
8 . Em 1593 fundou-se em
Roma a
Accademia di San Luca, com uma organização já bem mais objetiva e um cronograma de aulas mais consistente
9 Consolidando-se com a experiência dos anos, o sistema de educação acadêmico tornou-se bastante padronizado, baseado em princípios práticos e teóricos, incluindo desenho de observação e cópias de modelos consagrados,
geometria, anatomia e
perspectiva,
história e
filosofia. Adotando a idéia de que a arte pode ser ensinada, transmitida em sua completude, e que o talento apenas não conduzia a lugar nenhum sem um treinamento disciplinado e metódico, ficava problematizada a noção de originalidade, mas também se distinguia a arte do
artesanato, por situar o artista numa esfera superior, a do intelectual e do profissional liberal.
7 Para os acadêmicos o ponto de partida era a tradição, e acreditavam que, espelhando-se nas obras-primas consagradas, se adotassem os mesmos pressupostos teóricos e técnicos, alcançariam o mesmo patamar de qualidade.
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Seguindo o exemplo italiano, em
1648 foi fundada em
Paris a
Academia Real de Pintura e Escultura, com o mesmo propósito de ensinar arte como uma profissão liberal.
7 Com o suporte financeiro estatal através de
Colbert e sob a direção de
Le Brun, a Academia francesa assumiu o controle quase total da arte produzida na
França, e exerceu grande influência em toda a
Europa. Na Academia francesa se desenvolveu um conceito de ortodoxia estética apoiada pelo Estado que conquistou o monopólio do ensino e das exposições, uma abordagem que foi especialmente fértil e marcante durante o
Neoclassicismo 11 . E desta fonte vem o Academismo brasileiro. Assim, Academismo não é tanto um estilo específico, pois acadêmicos houve desde o século XVI, atravessando todos os estilos sucessivos - Renascentista,
Maneirista,
Barroco, Neoclássico - mas trata-se de um sistema de ensino dirigido por critérios pedagógicos e estéticos tradicionais e formalizados, e o termo
artista acadêmico significa simplesmente aquele que ingressou e foi treinado em qualquer uma das academias de arte.
Debret:
Dom João VI em trajes de sua aclamação, 1816. MNBA
Até o início do século XIX o ensino de arte ocorria no Brasil de modo largamente informal, nas oficinas dos artistas e seus discípulos. O Estado subvencionava apenas uma modesta escola, a
Aula Régia de Desenho e Figura, fundada em
1800 no
Rio de Janeiro e dirigida por
Manuel Dias de Oliveira. A
transferência da corte portuguesa para o Brasil em
1808 gerou profundas modificações sociais e institucionais no país, até então uma colônia de economia extrativa e agrária. Foram reorganizadas as instituições, os serviços públicos, a administração em geral, e sentia-se a necessidade de atualizar o Brasil com as correntes culturais mais avançadas que se desenvolviam na
Europa da época; ao mesmo tempo, havia séria carência de profissionais preparados para atender às crescentes demandas por artífices e mestres em várias especialidades técnicas, como a
arquitetura, o
urbanismo e a
engenharia, especialidades que, no costume da época, se sobrepunham e eram muitas vezes ensinadas nos cursos de arte, e que seriam valiosas para a
industrialização e modernização da colônia, logo elevada à condição de
Reino Unido a Portugal. Assim, a instituição de uma academia de artes no Brasil atenderia a diversas necessidades, práticas e culturais.
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Neste cenário em rápida transformação, chegou ao país oportunamente em 1816 a
Missão Artística Francesa, propondo a criação de uma escola de artes inspirada no modelo da respeitada Academia
neoclássica francesa. Seu projeto envolvia a criação de cursos graduados de formação tanto para futuros artistas como para técnicos em atividades auxiliares como a
modelagem, a
decoração, a
carpintaria e outras.
Joachim Lebreton, o líder da Missão e idealizador do projeto, nele sistematizava o processo e critérios de avaliação e aprovação dos alunos, o cronograma e currículo de aulas, sugeria formas de aproveitamento público dos formados e projetava a ampliação de coleções oficiais com suas obras, discriminava os recursos humanos e materiais necessários para o bom funcionamento da Escola. Lebreton, reconhecendo pragmaticamente que a grande arte continuaria mesmo num mundo transformado pela
Revolução, mudando-se apenas as monarquias pela burguesia abastada,
13 propôs não obstante um projeto decalcado em uma tradição já de significativa antigüidade, mas que era eminentemente prático e tinha uma eficiência comprovada pelo tempo, e que àquela altura era inédito no Brasil e mesmo em Portugal. Imediatamente acolhida por
Dom João VI, esta proposta levou à fundação da
Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Criavam-se as condições iniciais para o nascimento de um novo sistema de arte no Brasil, que estaria inextricavelmente ligado ao funcionamento da academia como instituição. Entretanto, a Escola enfrentaria sérias dificuldades de início e levaria pelo menos dez anos para se estabelecer e entrar em funcionamento definitivo, conduzindo à sua reabertura em
5 de novembro de
1826, em presença do imperador
Dom Pedro I, como
Academia Imperial de Belas Artes 14 .
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